Rafael Carvalho Rezende Oliveira
Visiting Scholar pela Fordham University School of Law (New York). Doutor em Direito pela UVA/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Especialista em Direito do Estado pela UERJ. Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC. Professor do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade Veiga de Almeida. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito da Universidade Cândido Mendes. Professor de Direito Administrativo da EMERJ. Professor dos cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ). Presidente do Conselho editorial interno da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR). Membro da lista de árbitros do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado, árbitro e consultor jurídico. Sócio fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. E-mail:
Thiago Gomes do Carmo
Doutor em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Master of Laws em Direito Corporativo pelo IBMEC-RJ. Pós-Graduado em Direito do Estado e da Regulação pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Certificado pelo Instituto de Certificação Institucional e dos Profissionais de Seguridade Social. Advogado. E-mail:
Resumo: O presente artigo tem por finalidade abordar as perspectivas atuais da cláusula de retomada nos contratos públicos, considerando especialmente as alterações promovidas pela Lei nº 14.133/2021 em relação à disciplina do seguro-garantia. A análise tangenciará ainda a referida cláusula e a sua relevância como instrumento jurídico apto a estimular a retomada de obras públicas paralisadas, fenômeno que ocasiona não apenas o desperdício de recursos, como também acarreta a defasagem da infraestrutura necessária ao desenvolvimento econômico e social do país. Como recorte de investigação, o presente estudo examinará os desafios práticos na implementação da cláusula de retomada de obras públicas que, atualmente, são vislumbrados na complexa relação jurídica existente entre a Administração Pública contratante e as sociedades empresárias contratadas para execução da obra pública (Tomadores do seguro), com a participação das Seguradoras, na qualidade de intervenientes anuentes, que assumem o importante papel de proteção do cumprimento contratual na hipótese de inadimplemento dos Tomadores.
Palavras-chave: Contratações Públicas. Seguro-Garantia. Cláusula de Retomada.
Abstract: This article aims to address the current perspectives on the step in clause in public contracts, especially considering the changes introduced by Law No. 14.133/2021 regarding the regulation of surety bonds. This study will also touch upon this clause and its relevance as a legal instrument capable of stimulating the resumption of stalled public works, a phenomenon that not only leads to the waste of resources but also results in the obsolescence of the infrastructure necessary for the country's economic and social development. As a focus of investigation, this article will examine the practical challenges in implementing the resumption clause for public works, which are currently evident in the complex legal relationship between the Public Administration and the companies contracted to execute the public work, with the participation of Insurance Companies, as consenting interveners, who assume the important role of protecting contractual compliance in the event of default by the Contractors.
Keywords: Public contracts. Performance bond. Step in clause.
Sumário: 1. Introdução. 2. Comentários sobre o seguro-garantia e sua aplicação sob a perspectiva da Lei nº 14.133/2021; 3. Cláusula de retomada nos contratos públicos: vantagens e desafios. 3.1. Subcontratação de empresa pela seguradora para conclusão do contrato administrativo. 3.2. O papel da seguradora e sua responsabilidade técnica pela conclusão do contrato administrativo. 4. Conclusão. Referências.
1. Introdução
O estudo da cláusula de retomada[1] prevista no seguro-garantia de execução de obras públicas se revela importante sobretudo a partir da análise dos alarmantes dados divulgados pelo Tribunal de Contas da União (TCU),[2] por meio do painel de acompanhamento de obras paralisadas no Brasil.[3] Para maior compreensão dos números, segundo revela a última atualização do referido painel (abril/2025), do total de 22.607 mil obras no país sobressai o expressivo número de 11.469 mil correspondente às obras paralisadas – ou seja, o que corresponde a 50,7% do total de obras em execução.
Em termos de previsão de investimentos em obras paralisadas, o valor é de R$ 34,7 bilhões; já os recursos federais, que foram efetivamente investidos em tais obras, perfazem o montante de R$15,9 bilhões. Os três setores mais afetados por obras sem execução, do ponto de vista quantitativo, são: saúde, com 4.141; educação básica, com 3.912; bem como infraestrutura e mobilidade urbana, com 1.476. São setores extremamente sensíveis, cuja paralização de obras afeta a adequada prestação de serviços públicos considerados essenciais.
A partir destes números é possível inferir a quantidade expressiva de recursos públicos que já foi gasto ou que ainda há previsão para o necessário incremento da infraestrutura do país. Contudo, em termos práticos, o fato é que tal quantidade de recursos não foi suficiente para gerar o esperado benefício ao interesse público. Ou seja, boa parte do produto gerado com a aplicação de recursos públicos resultou em obras, que ainda estão inacabadas, entre as quais, muitas sem um horizonte concreto de conclusão, em virtude de controvérsias infindáveis que emergem a partir de disputas administrativas, arbitrais ou judiciais.
A estabilidade jurídica depositada no seguro-garantia ganha maior ênfase a partir da divulgação do Governo Federal, que pretende realizar investimentos na ordem de 1,7 trilhão no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).[4] Notícias da mídia informam, ainda, que R$ 3,3 bilhões de obras de infraestrutura já estão protegidos por seguro-garantia com cláusula de retomada. Desse total, R$ 960 milhões já estão seguradas e outros quase R$ 2,3 bilhões já tem previsão para contar com essa alternativa.
O seguro-garantia de performance com cláusula de retomada já é uma realidade no país, inserindo-se em obras públicas contratadas no âmbito dos estados do Paraná (duplicação e restauração da PR-170/PRC-466) e do Mato Grosso (ao menos em seis projetos de implantação e pavimentação de trechos de rodovias). Há ainda licitações em andamento que estabelecem previsão editalícia contemplando tal proteção securitária, como nos seguintes estados: Pernambuco (Arco viário metropolitano de Pernambuco); Pará (organização de bens e serviços na Blue e Green Zone da COP30); Minas Gerais (construção de ponte sobre o Rio Sã Francisco, incluindo pavimentação de acesso); e, no Distrito Federal (obras, mobiliário e operação na nova sede do TRF-1 no DF).[5]
Delineadas estas observações que demonstram o ambiente de contratações de obras públicas, bem como a importância do fomento à retomada de projetos paralisados, o presente artigo tem por objetivo examinar, no segundo tópico, a disciplina do seguro-garantia sobretudo à luz das disposições da Lei nº 14.133/2021 e da Circular Susep nº 662/2022. Adiante, no terceiro tópico, pretende-se aprofundar o estudo em torno da cláusula de retomada firmada por ocasião da formalização do seguro-garantia; tangenciado, entre outros aspectos, a sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro e a sua aplicação prática no campo das obras públicas.
Como recorte de investigação este artigo examinará de forma pragmática, em itens do terceiro tópico, os atuais e os principais desafios identificados na implementação da cláusula de retomada de obras públicas, e que, atualmente, são vislumbrados na complexa relação jurídica trilateral mantida entre: a Administração Pública contratante da obra (Segurado), de um lado; as empresas contratadas no processo de licitação (Tomadores do seguro), de outro lado; bem como as companhias Seguradoras, que atuam na proteção do cumprimento contratual na hipótese de inadimplemento dos Tomadores.[6]
Importante registrar, ainda nestas notas introdutórias, que para além da responsabilidade jurídico envolvida, todas as partes na relação contratual administrativa devem estar preparadas para ter consciência sobre as incertezas, os riscos e as complexidades envolvidas na satisfação do interesse público – isto é, necessária a reflexão sobre os meios de evitar indesejados gargalos à conclusão e efetiva entrega das obras de infraestrutura, que se afiguram indispensáveis ao pleno desenvolvimento econômico e social do país.
Dessa forma, revela-se essencial a compreensão acerca dos desafios impostos na era global[7] atual, por muitos autores denominada como pós-modernidade,[8] a fim de que seja alcançado o desejado ponto de equilíbrio entre todos os agentes envolvidos neste processo.
2. Comentários sobre o seguro-garantia e sua aplicação sob a perspectiva da Lei nº 14.133/2021
Diversas são as modalidades de seguro-garantia nos setores público e privado.[9] Todavia, a modalidade tratada neste estudo diz respeito ao seguro-garantia para construção, fornecimento ou prestação de serviço (denominado, em geral, de seguro-garantia de performance, garantia do executante ou performance bond), atualmente disciplinado por meio dos artigos 96 a 102 como modalidade de garantia na Lei nº 14.133/2021; e, pela Circular Susep nº 662/2022.[10]
Os três atores envolvidos no seguro-garantia de performance são: o Segurado (público ou privado – frise-se, para os fins estudo, a Administração Pública contratante da obra); o Tomador do seguro, ou seja, a empresa contratada que se sagrou vencedora do processo de licitação; e a Seguradora, que atua como interveniente anuente no contrato administrativo e é contratada pelo Tomador para garantir a execução daquele contrato (principal). Em síntese:
(i) entre o Segurado e o Tomador é firmado o contrato principal (contrato administrativo), que contém os termos e as condições de execução do projeto de infraestrutura disposto no instrumento de edital; e,
(ii) entre o Tomador e a Seguradora, é celebrado o contrato de seguro, por meio do pagamento do prêmio,[11] emitindo-se a apólice em favor do Segurado. Tais partes celebram, ainda, o contrato de contragarantia – CCG,[12] considerado título executivo extrajudicial que materializa o direito da Seguradora contra o Tomador no seguro-garantia e seus garantidores.[13]
Sendo assim, a partir da inadimplência do Tomador em relação à obrigação garantida no contrato principal (sinistro), a Seguradora será avisada e avaliará a existência de cobertura contratual para eventual pagamento dos danos apurados ao Segurado.[14]
Assentadas as premissas sobre o seguro-garantia, que constitui “mecanismo essencial para mitigar os riscos de inadimplência, reforçando a segurança jurídica e operacional nos contratos públicos”,[15] revela-se oportuno avaliar os seus contornos de aplicação prática na Lei nº 14.133/2021.
Conforme previsão contida no art. 96, §1º, da Lei nº 14.133/2021, admite-se a exigência de garantia nas contratações de obras, serviços e fornecimentos, cabendo ao contratado optar por uma das modalidades indicadas no referido dispositivo legal (entre elas, o seguro-garantia com a possibilidade do uso da cláusula de retomada),[16] a partir da delimitação estabelecida no edital de licitação.
A Administração Pública deverá justificar a sua inserção – e as respectivas modalidades aceitas – no processo de licitação, na medida em que os custos da empresa contratada são estruturados sob a perspectiva da proposta mais vantajosa na fase pré-contratual, levando em consideração os custos de participação nos certames e na execução contratual, bem como dos lucros que são esperados a partir do cumprimento do objeto contratual.[17] Nesse cenário, o aumento do custo da apólice pode caracterizar o desinteresse na participação nas licitações e contratações públicas, desestimulando eventuais interessados e, por consequência, reduzindo a competição no processo licitatório.[18]
Neste ponto é importante rememorar que o regime jurídico de licitações e contratações administrativas anterior (art. 56, II, §§2º e 3º, da revogada Lei nº 8.666/1993), previa o percentual limite de garantia em 5%, que poderia ser elevado até 10% para contratações de grande vulto (classificadas conforme o valor envolvido).[19] No cenário atual, o percentual pode ser de até 30% do valor inicial do contrato de grande vulto, nos termos do art. 99 da Lei nº 14.133/2021.
A propósito do limite do percentual previsto na legislação brasileira, é relevante mencionar o estudo comparativo nos EUA, realizado por Marcos Nóbrega e Pedro Dias de Oliveira Netto, por meio do qual concluem que poucos estados dos EUA dispuseram sobre cobertura em baixos percentuais como no caso do Brasil, apontando que grande parte dos estados norte-americanos exige coberturas mínimas de 50%; ou, até mesmo, de 100% para garantir que a execução da obra seja efetivamente cumprida.[20]
Com relação ao critério econômico que caracteriza a contratação de grande vulto, alguns Entes federados estabeleceram valores diferentes daquele indicado na Lei nº 14.133/2021, destacando-se, exemplificativamente, os estados de Mato Grosso e de Goiás, que definiram como contratos de grande vulto os ajustes com valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).[21] Dessa forma, a redução do parâmetro de valor em comparação ao critério econômico-financeiro delimitado na legislação federal (atualmente: R$ 250.902.323,87), enseja, como consequência natural, que uma maior quantidade de novas contratações públicas estejam necessariamente cobertas pelo seguro-garantia, com cláusula de retomada, sob o percentual de até 30% do valor inicial do contrato.
3. Cláusula de retomada nos contratos públicos: vantagens e desafios
Antes mesmo da Lei de licitações e contratações administrativas disciplinar a cláusula de retomada, conforme inclusão realizada pela Lei nº 13.097/2015, no ordenamento jurídico brasileiro, era possível verificar previsão semelhante[22] tanto no art. 27-A da Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões), como no art. 5º-A, §2º, I, da Lei nº 11.079/2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas).
Os referidos dispositivos normativos estabelecem que, na hipótese do inadimplemento da concessionária, entidade que se qualifica como financiada, o poder concedente autorizará o controle ou administração temporária da concessionária pelos financiadores e garantidores do projeto (extrai-se, daí, o termo step-in rights de origem anglo-saxônica). Com isso, seria possível promover a reestruturação financeira da concessionária, a fim de assegurar a continuidade da prestação dos serviços.
De forma mais recente, o art. 102, parágrafo único, I e II, da Lei nº 14.133/2021 e o art. 21, I e II, da Circular Susep nº 662/2022[23] dispõem que, na hipótese de inadimplemento contratual pelo Tomador do seguro, duas disposições serão observadas pela Seguradora: (i) executar e concluir o objeto do contrato, situação que a eximirá de pagar a importância segurada (IS) indicada na apólice; ou (ii) não executar o objeto contratual e pagar a integralidade da importância até o limite da IS.
Em consequência, diante do inadimplemento do Tomador, cabe à Seguradora a opção pela execução do contrato principal ou pelo pagamento da integralidade da importância segurada na apólice. De fato, a partir de uma análise, primordialmente, econômica, por parte da Seguradora, pode ser mais interessante, em determinadas hipóteses, retomar e concluir o projeto em vez de efetuar o pagamento da importância segurada.
Embora existam críticas da doutrina,[24] a opção legalmente atribuída à Seguradora nos parece ser coerente e sobressai, inclusive, como um reflexo natural dos princípios da livre iniciativa (art. 170 da Constituição Federal) e da liberdade como garantia ao exercício de atividades econômicas (art. 2º, I, da Lei nº 13.874/2019). Logo, a escolha entre as duas opções indicadas no art. 102, parágrafo único, I e II, da Lei nº 14.133/2021 deve ser implementada pela seguradora e não pela Administração Pública.
Em que pese a norma estabeleça que a seguradora deve pagar a integralidade da IS, se a opção for no sentido de não executar e concluir o objeto do contrato, conforme o art. 21, I, da Circular Susep nº 662/2022, isto ocorrerá à luz do princípio indenitário, ou seja: pagamento dos efetivos prejuízos, multas e demais valores garantidos. Em síntese, revela-se essencial a avaliação dos prejuízos comprovadamente sofridos pelo segurado até o limite da apólice.[25]
A partir do disposto no art. 102, I, da Lei nº 14.133/2021, a seguradora passa a ter maior força para atuar de forma mais próxima na execução do contrato principal, ou realizar eventuais intervenções, a fim de garantir o seu efetivo cumprimento. Entre as atividades e as intervenções previstas no mencionado dispositivo, sobressaem especialmente as seguintes: livre acesso às instalações em que se executam o objeto contratual; acompanhamento do andamento da obra, admitindo-se a possibilidade de requerer esclarecimentos técnicos aos responsáveis pela execução do contrato; participar de auditorias e fiscalizações (técnicas e, inclusive, contábeis).[26]
Em sintonia com essa disposição legal, que estabelece mecanismos de mitigação de riscos, a Circular Susep nº 662/2022 (art. 29, II e III) confere, ainda, a possibilidade de a seguradora atuar como “mediadora da inadimplência ou de eventual conflito entre segurado e tomador”; e ainda “prestar apoio e assistência ao tomador”.
A partir das normas legais e infralegais mencionadas acima, evidencia-se um leque de opções voltadas para uma atuação preventiva por parte da seguradora, refletindo sobretudo nas cautelas tendentes a impedir a inexecução do contrato pelo Tomador do seguro. A propósito, relevante observar que o art. 29 da referida Circular Susep pressupõe que a adoção de tais iniciativas poderá ser implementada “desde que prévia e expressamente acordado entre as partes”. Contudo, por se tratar de hipóteses de mitigação de risco a partir da atuação preventiva da seguradora, para se evitar a adoção de critérios distintos em editais de licitação e garantir maior uniformidade, afigura-se recomendável a regulamentação do tema, no âmbito dos respectivos Entes da federação, bem como a elaboração de minutas padronizadas de editais de licitação e de contratos administrativos, na forma do art. 25, § 1º, da Lei nº 14.133/2021.
Nesse contexto, é possível perceber, ao menos, três potenciais vantagens que podem ser alcançadas com a estipulação do seguro-garantia, com a cláusula de retomada: a) contribuir para diminuição dos riscos de obras públicas inacabadas; b) incentivar a escolha de melhores empresas nas licitações, em razão do filtro realizado pelas seguradoras, que, naturalmente, realizarão análise dos histórico e dos riscos das empresas que solicitarem o seguro-garantia, com impactos sobre a própria concessão do seguro e do valor que será cobrado; c) incrementar a eficiência na execução dos contratos administrativo, uma vez que a seguradora é estimulada a contribuir com a fiscalização do contrato administrativo para evitar o inadimplemento contratual e a obrigatoriedade de executar o restante do contrato ou de pagar a importância segurada indicada na apólice.[27]
Por todos esses aspectos, a inserção da cláusula de retomada no seguro de garantia performance provoca uma inevitável necessidade de aperfeiçoamento da gestão de riscos nos contratos públicos, tornando ainda mais importante a elaboração de matriz com alocação dos respectivos riscos,[28] de modo a conferir maior segurança jurídica e estabilidade às partes do contrato.[29]
No que que diz respeito à responsabilidade atribuída às seguradoras, com a inserção desta cláusula nos editais de licitação, é fundamental o incremento de conhecimento técnico sobre o universo do objeto segurado, considerando a necessidade de uma cautelosa subscrição[30] do risco[31] (precificando a eventual necessidade de assunção da obra); observando, ainda, a efetiva capacidade técnica e financeira do Tomador.[32]
O regime jurídico do seguro-garantia, com cláusula de retomada, não acarreta apenas desafios de sua interpretação e aplicação. Existem, também, oportunidades para as seguradoras, tais como: (i) a customização de novos produtos de seguro, contemplando monitoramento e apoio técnico na execução da obra licitada; (ii) maior especialização, automação, agilidade, de modo a promover efetividade e segurança na retomada de obras; (iii) estreitamento de parcerias estratégicas – comerciais e técnicas – com corretores e resseguradores.[33]
Sobre a cláusula de retomada de obras, três questionamentos merecem especial atenção, quais sejam: (i) quais os limites da subcontratação de empresa pela seguradora para conclusão do contrato administrativo (principal)? (ii) qual o papel da seguradora na conclusão do contrato administrativo? (iii) quais os limites da responsabilidade técnica da seguradora na subcontratação? A abordagem destes pontos será individualmente realizada nos subtópicos abaixo.
3.1. Subcontratação de empresa pela seguradora para conclusão do contrato administrativo
Ocorrido o sinistro em virtude do inadimplemento pelo Tomador, caso a seguradora opte por acionar a cláusula de retomada para conclusão da obra, surge a possibilidade de subcontratação total ou parcial do contrato, em virtude:
(i) da interpretação literal do disposto nos incisos II e III, do art. 102, da Lei nº 14.133/2021, que estabelecem, respectivamente: a “emissão de empenho em nome da seguradora, ou a quem ela indicar para a conclusão do contrato”; e “a seguradora poderá subcontratar a conclusão do contrato, total ou parcialmente”); e,
(ii) do fato de que a seguradora não possui capacidade técnica, estrutura organizacional e autorização estatutária para execução direta de obras.
Afigura-se recomendável que tais limites estejam delineados no âmbito regulamentar, principalmente para manter algum grau de uniformidade e simetria entre os editais de licitação que tenham a previsão da cláusula de retomada.
Retomada a obra por meio do acionamento, pelo segurado, da cláusula prevista em contrato, decorrente da inadimplência do Tomador, e superada a possibilidade de subcontratação da obra pela seguradora, revela-se oportuna a avaliação dos limites desta subcontratação.
O primeiro deles versa sobre a escolha da empresa que será subcontratada. Nos termos do art. 102, I, da Lei nº 14.133/2021, a seguradora assina o contrato administrativo principal e os eventuais aditivos, tão somente sob a condição de interveniente anuente. Aliás, a própria ideia de subcontratação, contida no inciso III do referido dispositivo legal, poderia ser questionada sob o ponto de vista técnico, uma vez que a seguradora não é, propriamente, parte do contrato administrativo, mas apenas, interveniente anuente, como assinalado.
De qualquer forma, uma questão que pode gerar dúvidas diz respeito à empresa que será contratada pela seguradora para finalizar o contrato administrativo, notadamente pelo fato de que a Lei nº 14.133/2021 não trata especificamente desse ponto.
A partir da interpretação literal e isolada do art. 102, III, da Lei de Licitações, além da aplicação do princípio da livre iniciativa, a seguradora poderia escolher, livremente, a empresa que assumiria a execução do contrato administrativo.
Contudo, levando em consideração que a Administração Pública é a parte contratante no contrato administrativo inadimplido e Segurada no contrato de seguro-garantia, é necessário o consentimento da Administração Pública para escolha da empresa contratada pela seguradora, a partir de dois argumentos principais: a) o art. 102, III, da Lei nº 14.133/2021 dispõe que a “seguradora poderá subcontratar a conclusão do contrato, total ou parcialmente”, o que atrai a incidência do art. 122 da Lei de Licitações que, ao tratar da subcontratação, exige a autorização da Administração Pública e a demonstração da capacidade técnica do subcontratado; e b) ainda que não seja, tecnicamente, uma subcontratação, uma vez que a seguradora não é parte do contrato, como já assinalado, haveria a alteração subjetiva na relação contratual, o que, por si só, dependeria de autorização da Administração Pública contratante que deve se certificar da capacidade técnica da empresa que executará o restante do contrato.[34]
Em relação à contratação da empresa que será contratada para finalizar a obra pública, abre-se o caminho para que o art. 102, III, da Lei de Licitações seja interpretado de forma sistemática com o art. 90, §§ 4º e 7º, do mesmo diploma legal, com o intuito de exigir que a escolha do subcontratado seja realizada, prioritariamente, entre as empresas remanescentes do processo de licitação, que ensejou a celebração do contrato administrativo originário, observada a ordem de classificação.[35] O desafio, todavia, da referida interpretação reside no fato de que o art. 90, § 7º, da Lei de Licitações trata da contratação realizada pela própria Administração Pública do remanescente da obra, serviço ou fornecimento, na hipótese de rescisão contratual, não se confundindo com a situação mencionada no art. 102, III, da mesma Lei, que trata da contratação realizada pela seguradora.
Independentemente da discussão a respeito da adoção da sobredita interpretação, entendemos que a escolha da empresa substituta para retomada do projeto deverá observar algumas premissas, entre elas:
(i) técnica e econômica, consistindo na comprovada capacidade da empresa para conclusão do objeto contratual, observando a realidade e o estágio atual do projeto;[36]
(ii) eficiência, refletida na adoção de métricas de execução alinhadas e orientadas à qualidade das entregas;
(iii) ausência de objeção justificada por parte do segurado à escolha da empresa, seja porque a seguradora assinou o contrato original apenas sob a condição de interveniente anuente e, por consequência, a formalização deste novo pacto (i.e., para a retomada da obra) envolverá a participação do segurado como parte contratante;
(iv) inexistência de restrições à contratação com a Administração Pública;[37]
(v) ausência de vínculos e relacionamentos que caracterizem situações de impedimentos ou suspeições;[38] e,
(vi) demonstração de regularidade fiscal da empresa escolhida para retomada da obra (conforme art. 102, II, da Lei nº 14.133/2021).[39]
Outro ponto igualmente importante, diz respeito ao papel da seguradora na nova relação jurídica, em que a empresa substituta assinará contrato com o segurado, conforme exposto no subtópico a seguir.
3.2. O papel da seguradora e sua responsabilidade técnica pela conclusão do contrato administrativo
Registre-se que o inadimplemento do Tomador gera o sinistro da apólice oferecida em garantia pela seguradora, de modo que a opção de retomada do projeto com a subcontratação enseja a execução do contrato de seguro, observados os respectivos limites pactuados.[40]
Por coerência, afigura-se relevante a exigência de nova apólice de seguro para cobrir potenciais sinistros futuros. Nessa situação, a segunda apólice complementa a primeira, na forma do art. 23 da Circular Susep nº 662/2022.[41] Portanto, a Seguradora, cumprindo a sua obrigação com a retomada da obra, conforme previsto na apólice, não pode ser compelida a participar oferecendo nova garantia no âmbito da subcontratação.
Atingido o limite máximo de garantia da apólice, se houver saldo do preço pela execução do restante da obra ou serviço, o novo contratado passaria a receber diretamente do Segurado os valores a partir do que dispõe o art. 102, II, da Lei nº 14.133/2021 (i.e., a emissão de empenho pode ser feita em nome de quem a Seguradora indicou para conclusão do contrato). Em suma, a Seguradora não poderia suportar diversos fatores imprevisíveis que, potencialmente, interferem no valor previsto para a conclusão do empreendimento e que fazem parte do universo de obras em geral.[42]
Ademais, caso existam valores retidos em garantia pelo Segurado no curso do contrato principal sobre pagamentos realizados ao Tomador, a partir do sinistro, revela-se possível a amortização destes valores na indenização que cabe à Seguradora. A esse respeito, vale destacar o disposto no art. 22 da Circular Susep nº 662/2022: “No caso de extinção do objeto principal, por conta da ocorrência de sinistro, os eventuais saldos de créditos do tomador apurados junto ao segurado, no âmbito do objeto principal, serão utilizados para amortização do valor da indenização (...)”.
Em relação aos demais itens eventualmente indenizáveis,[43] destaca-se a possibilidade de a Seguradora assumir custos eventuais com ações emergenciais, evitando a ocorrência ou atenuando os efeitos do sinistro, como meio de apoiar e prestar assistência ao Tomador (art. 29, III, da Circular Susep nº 662/2022). Contudo, a despesa para adoção de medidas de contenção deve contar previsão na apólice e dispor de cobertura específica a esse respeito, na forma do art. 67 da Lei nº 15.040/2024.[44]
No que toca à responsabilidade técnica pelo objeto do contrato administrativo, implementando a cláusula de retomada como opção para conclusão da obra, é preciso reconhecer a dificuldade na sua delimitação entre a empresa contratada originalmente e aquela contratada pela Seguradora para o remanescente da obra ou serviço.[45]
Todavia, ainda que haja esta dificuldade, e cada uma responda de acordo com a sua efetiva participação, o fato é que a Seguradora não é a responsável pela execução técnica, motivo pelo qual o resultado eventualmente defeituoso, por consequência, não lhe poderá ser atribuído. O Segurado além de anuir com a contratação da nova empresa e figurar como parte contratante, exigirá a apresentação de nova apólice de seguro para fazer frente a potenciais inadimplementos.
Em síntese, seria necessário para que a Seguradora fosse responsabilizada a demonstração de sua participação, direta ou indireta, em situações como: possível orientação para utilização de materiais de baixa qualidade; ou quaisquer condutas fora do padrão de mercado ou reconhecidamente sem a técnica adequada, que pudessem contribuir para entregas sem a solidez esperada.
4. Conclusão
O alarmante contexto de obras inacabadas no país, revelado sobretudo por meio das observações esboçadas nas notas dedicadas à introdução deste estudo, aponta para a necessidade da valorização cada vez maior da exigência em editais de licitação da cláusula de retomada no seguro-garantia performance.
Trata-se, nitidamente, de instrumento jurídico vocacionado a conferir segurança e estabilidade no efetivo adimplemento de obras públicas. A sua utilização adequada tem por objetivo evitar o indesejado desperdício de valores com gastos públicos pouco eficientes, bem como a ausência ou baixa qualidade de entregas no campo da infraestrutura do país. Este cenário causa um preocupante déficit no atendimento de direitos fundamentais, notadamente quando se verifica que, entre os setores mais afetados com obras paralisadas, estão a educação básica, a saúde e a mobilidade urbana.
As disposições e inovações da Lei nº 14.133/2021, relacionadas à cláusula de retomada no seguro-garantia performance, refletem um passo importante para conferir robustez na sua utilização prática. E, como resultado disto, surgem oportunidades como a proteção do interesse público, maior segurança para Administração Pública, valorização do patrimônio público; sem contar a customização de novos produtos de seguro mais eficazes e estreitamento de parcerias estratégicas – comerciais e técnicas – com corretores e resseguradores.
Naturalmente, o seguro-garantia, com cláusula de retomada, não afasta, por completo, o risco de paralisação das obras públicas, especialmente pelo fato de que, em diversas situações, as causas das obras públicas inacabadas são relacionadas à falta de planejamento adequado da Administração Pública, inclusive com a elaboração de projetos básicos deficientes e estudos inadequados de viabilidade econômica dos projetos, bem como à insuficiência de recursos orçamentários, que constituem situações imputadas à Administração Pública e não cobertas pelo seguro-garantia.
Contudo, não se pode olvidar que o seguro-garantia, com cláusula de retomada, tem o potencial de contribuir, decisivamente, para diminuição dos riscos de obras públicas paralisadas no Brasil.
Embora alguns estados da federação já estejam divulgando os seus editais de licitação com a previsão de seguro-garantia, com inclusão da referida cláusula, algumas barreiras ainda precisam ser superadas.
Não por acaso, nesse cenário ainda pouco amadurecido e marcado por significativo número de obras públicas paralisadas, a regulamentação do seguro-garantia pelos Entes da Federação constitui medida relevante para assegurar maior uniformidade dos editais de licitação, com a redução de incertezas na sua utilização e incremento da eficiência nas contratações de infraestrutura.
Referências
BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Acompanhamento de obras paralisadas. Disponível em: Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/circular-susep-n-662-de-11-de-abril-de-2022-392772088>. Acesso em: 17 out. 2025.
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[1] Marçal Justen Filho sustenta que a expressão cláusula de retomada é imprecisa, na medida em que a relação jurídica na qual a Seguradora se insere é aquela prevista nos limites do contrato de seguro. Portanto, seria tecnicamente adequado se referir ao instituto como “cláusula de assunção do contrato”. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas: Lei 14.133. São Paulo: RT, 2021, p. 1269.
[2] BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Acompanhamento de obras paralisadas. Disponível em: <https://paineis.tcu.gov.br/pub/?workspaceId=8bfbd0cc-f2cd-4e1c-8cde-6abfdffea6a8&reportId=013930b6-b989-41c3-bf00-085dc65109de&filterPaneEnabled=false&navContentPaneEnabled=false>. Acesso em: 17 out. 2025.
[3] Para o TCU, nos termos do Acórdão nº 1.079/2019, paralisado é o contrato que obedeça a qualquer dos seguintes critérios: a. declaração pelo órgão como paralisada; b. declaração da empresa executora de que não dará continuidade à obra; c. baixa execução física do contrato, considera-se baixa execução aquele contrato que durante 3 meses avança menos que 10% da evolução física prevista inicialmente; d. não houver novas medições de serviços em período superior a 90 dias. Não devem ser admitidas como medições que alterem a classificação dos contratos aquelas que se refiram apenas a manutenção de canteiro e/ou administração local. TCU, Acórdão 1079/2019, Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Sessão de 15/5/2019. No referido acórdão foram destacadas as principais causas das obras inacabadas, destacando-se: a) contratação com base em projeto básico deficiente; b) insuficiência de recursos financeiros de contrapartida; e c) dificuldade dos entes subnacionais em gerir os recursos recebidos. Posteriormente, o TCU constatou que as iniciativas governamentais foram fragmentadas e ineficazes para diminuir o número de obras paralisadas no período de 2019 a 2022, evidenciando que não existiu, no período mencionado, qualquer política pública voltada a sanear o problema das obras paralisadas no país. TCU, Acórdão 2134/2023, Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Sessão de 18/10/2023.
[4] CNSEG. Confederação Nacional das Seguradoras. Retomada do PAC deve dobrar a demanda por Seguro Garantia. Disponível em: <https://cnseg.org.br/noticias/retomada-do-pac-deve-dobrar-a-demanda-por-seguro-garantia>. Acesso em: Acesso em: 20 out. 2025.
[5] FOLHA DE SÃO PAULO. Seguro garantia com cláusula de retomada já protege R$ 3,3 bilhões em obras de infraestrutura. Modalidade que garante conclusão de projetos avança nos estados. São Paulo. Publicação em 21 de abril de 2025. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/04/seguro-garantia-com-clausula-de-retomada-ja-protege-r-33-bilhoes-em-obras-de-infraestrutura.shtml>. Acesso em: 20 out. 2025.
[6] De acordo com Marcos Nóbrega e Pedro Dias de Oliveira Netto: “O seguro garantia é um importante instrumento para garantir a execução das obrigações contratuais de fazer, fornecer e prestar, que são celebradas pelo tomador em relação ao segurado. O segurador, terceiro em relação ao contrato celebrado entre o tomador e o beneficiário, se coloca na condição de garante para o cumprimento da obrigação contratual. Observa-se, por conseguinte, que o contrato de seguro garantia detém certa peculiaridade em relação a um contrato típico de seguro, haja vista a presença de três partes envolvidas.” NÓBREGA, Marcos; e OLIVEIRA NETTO, Pedro Dias. O seguro-garantia na nova Lei de Licitação e os problemas de seleção adversa e risco moral. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 281, n. 1, jan./abr. 2022, pg. 187.
[7] Sobre o espaço jurídico global, vide: CASSESE, Sabino. La Globalización Jurídica. Madri, Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A., 2006.
[8] CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
[9] Podem ser citados alguns exemplos das modalidades de seguro-garantia nos setores público e privado: seguro-garantia do licitante; de retenção de pagamentos; de adiantamento de pagamentos; de manutenção corretiva; judicial; execução fiscal; parcelamento administrativo fiscal; aduaneiro; administrativo de créditos tributários; imobiliário. CNSEG. Confederação Nacional das Seguradoras. Glossário do Mercado Segurador. Programa Educação em Seguros. Disponível em: <https://cnseg.org.br/publicacoes/glossario-do-mercado-segurador>. Acesso em: Acesso em: 20 out. 2025.
[10] É possível destacar os três tipos principais de seguro-garantia: a) Bid Bond (seguro-garantia licitante): ajuda a filtrar os licitantes não qualificados para participar do certame e executar o contrato; b) Performance Bond (seguro-garantia do executante): pretende garantir o cumprimento do contrato de construção; e c) Payment Bond (seguro-garantia de pagamento): garante o pagamento de determinados contratantes e fornecedores de materiais nos casos de inadimplemento do empreiteiro. GALIZA, Francisco. Uma análise comparativa do seguro garantia de obras públicas. Rio Janeiro: ENS-CPES, 2015, p. 28.
[11] O dicionário de Seguros da Escola Nacional de Seguros apresenta o seguinte conceito de prêmio: “É a importância paga pelo segurado, ou estipulante, à seguradora, em troca da transferência do risco contratado. Em princípio, o prêmio resulta da aplicação de uma percentagem (taxa) à importância segurada. O prêmio deve corresponder ao preço do risco transferido à seguradora.” ENS. Escola Nacional de Seguros. Dicionário de Seguros. Disponível em: <https://www.ens.edu.br/dicionario-de-seguros>. Acesso em: 30 out. 2025.
[12] Circular Susep nº 662/2022: “Art. 32. O contrato de contragarantia, que rege as relações obrigacionais entre a seguradora e o tomador, quando houver, será livremente pactuado, não podendo interferir no direito do segurado.” De acordo com Gustavo de Medeiros Melo: “O pacto de contragarantia procura dar segurança de que existe patrimônio suficiente reservado a satisfazer a pretensão de ‘regresso’ da companhia, se e quando houver sub-rogação a ser exercida contra o tomador do seguro-garantia. Esse negócio costuma carregar também compromisso de fiadores que assinam o instrumento em caráter solidário, além de obrigações colaterais para reforço da garantia. Com isso fechamos o círculo. O contrato de contragarantia é um negócio celebrado à parte – entre seguradora e tomador – para assegurar o possível ressarcimento a ser exercido via sub-rogação.” MELO, Gustavo de Medeiros. O Contrato de contragarantia como título executivo extrajudicial. CONJUR. Site Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2023-nov-30/o-contrato-de-contragarantia-como-titulo-executivo-extrajudicial/>. Acesso em: Acesso em: 20 out. 2025.
[13] A Lei nº 14.711/2023 (“Marco Legal das Garantias”) incluiu o inc. XI-A ao art. 784 do Código de Processo Civil, de modo a assegurar que o contrato de contragarantia tenha força de título executivo extrajudicial.
[14] Lei nº 14.133/2021: “Art. 97. O seguro-garantia tem por objetivo garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado perante à Administração, inclusive as multas, os prejuízos e as indenizações decorrentes de inadimplemento (...).” Circular Susep nº 662/2022: “Art. 3º. O Seguro Garantia destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas. Parágrafo único. Pelo contrato de Seguro Garantia, a seguradora obriga-se ao pagamento da indenização, nos termos do art. 21, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida, conforme estabelecido no objeto principal ou em sua legislação específica, respeitadas as condições e limites estabelecidos no contrato de seguro.
[15] HAÜPTLI, I. A Cláusula de Retomada no seguro garantia e o incumprimento antecipado. Revista Foco, v. 18, n. 5, p. e8177, 2025. DOI: 10.54751/revistafoco.v.18n5-082. Disponível em: <https://ojs.focopublicacoes.com.br/foco/article/view/8177>. Acesso em: 20 out. 2025.
[16] Ao exigir o seguro-garantia, com o uso da cláusula de retomada, o edital de licitação afasta do contratado a eleição de outras modalidades de garantias, tais como a caução, a fiança bancária e o título de capitalização, que apenas permitem prestação pecuniária. Em consequência, considerando o estreitamento de opções de garantias pelo contratado, torna a sua justificativa no processo de na licitação ainda mais relevante.
[17] Segundo Cristiana Fortini e Rafael Amorim de Amorim: “Embora os custos relacionados à garantia sejam repassados ao valor cobrado da administração, como a lei faculta ao particular escolher a modalidade de garantia, ele obviamente optará por aquela que lhe é mais vantajosa, o que possibilita a apresentação de proposta mais competitiva na fase pré-contratual ou, até mesmo, a obtenção de lucros mais elevados na fase de execução contratual, a evidenciar a necessidade de a administração efetivamente se preocupar com a correta especificação, no instrumento convocatório, de todos os elementos necessários para aceitação da garantia.” FORTINI, Cristiana; AMORIM, Rafael Amorim de. Obras públicas inacabadas e seguro-garantia: qual a sua importância e o que esperar da nova Lei de Licitações. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 20, n. 82, p. 87-127, out./dez. 2020, p. 99.
[18] Como exposto, a análise de impacto da inserção do seguro-garantia de performance, com cláusula de retomada, é medida que se afigura essencial, em especial por não se exclui também a possibilidade de se exigir dos licitantes a apresentação de seguro-garantia nas modalidades de garantia de proposta e adiantamento. Tais modalidades de seguro podem ser, assim, complementares ao seguro-garantia de performance como meio de proporcionar ainda maior segurança jurídica à Administração Pública.
[19] Segundo o art. 6º, XXII, da Lei nº 14.133/2021, alterado pelo Decreto nº 12.343/2024, obras, serviços e fornecimentos de grande vulto são aqueles cujo valor estimado supera R$ 250.902.323,87 (duzentos e cinquenta milhões novecentos e dois mil trezentos e vinte e três reais e oitenta e sete centavos).
[20] Conforme Marcos Nóbrega e Pedro Dias de Oliveira Netto: “Os estados de Arizona, Arkansas, California, Colorado e Connecticut estabelecem a cobertura por seguro-garantia no patamar de 100% do valor da obra, que é exigida apenas para as obras orçadas em um valor mínimo, variando entre US$ 20 mil e US$ 100 mil. Já os estados de Delaware, Florida, Georgia, Hawaii, Indiana, Minnesota, Mississippi, Nova Jersey, Texas, Utah, entre outros, também requisitam uma cobertura de 100%, porém sem estipular um valor mínimo. Por sua vez, os estados de Nevada, Maryland, Alabama, Rhode Island e o Distrito de Columbia prescrevem que a cobertura do seguro-garantia deve abranger, no mínimo, 50% do valor da obra. Nota-se que, diferentemente dos demais, os estados de Massachussets, Tennessee, Puerto Rico e Wyoming determinam, ao menos, que a cobertura securitária deve ser de 25% do valor contratual. Destarte, ao examinar o alcance do instituto de performance bond, se evidencia que os estados norte-americanos demonstram uma ampla aceitação ao seguro-garantia em obras públicas, ainda que subsista uma diferença de percentuais em relação à cobertura do seguro e o valor do contrato da obra, que pode variar entre 25% e 100%. (...). Comparativamente, o ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei nº 14.133/2021, demonstrou avanço em relação ao percentual de cobertura dos contratos de seguro-garantia até então regulados pela Lei nº 8.666/1993, ampliando dos 10% para os 30% nas hipóteses de obras de engenharia de grande vulto. Por outro lado, se verifica que apenas poucos estados dos EUA estabeleceram um parâmetro de cobertura tão diminuto, nos moldes do patamar do Brasil, pois uma grande parte exige coberturas mínimas de 50% ou, até mesmo, 100% para garantir que a execução da obra seja efetivamente cumprida. A experiência estadunidense apresenta importantes contornos sobre como o instituto de performance bond pode tornar as obras públicas mais eficientes, aumentando a participação das empresas seguradoras no processo de fiscalização e, também, tornando as responsáveis pela retomada do contrato em caso de inadimplemento”. NÓBREGA, Marcos; e OLIVEIRA NETTO, Pedro Dias. O seguro-garantia na nova Lei de Licitação e os problemas de seleção adversa e risco moral. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 281, n. 1, jan./abr. 2022, p. 194-196.
[21] Mato Grosso: Lei estadual nº 12.148/2023; Goiás: Lei estadual nº 23.292/2025. De nossa parte, sustentamos o caráter específico da norma constante da Lei nº 14.133/2021 que define as contratações de grande vulto, motivo pelo qual os demais Entes federativos poderiam definir, por meios de suas leis específicas, valores compatíveis com as suas respectivas realidades econômicas. .” OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática, 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 7. A questão é relevante não apenas para viabilizar o aumento do percentual do seguro-garantia, com cláusula de retomada, para até 30% do valor inicial do contrato, mas, também, para impor a obrigatoriedade de instituição de programas de integridade nas empresas contratadas (arts. 25, § 4 º e 99, da Lei nº 14.133/2021).
[22] Embora haja uma similaridade aparente entre o step-in-right (nas Leis de Concessões e Parcerias público-privada) e a cláusula de retomada (na Lei de licitações e contratações administrativas), cabe registrar que ambas se operam não apenas em leis, mas também em contextos diversos. A esse respeito Walmor Francisco Molin Neto destaca que: “Nota-se, portanto, que o ponto comum entre a agora nominada ‘cláusula de retomada’ e o step-in rights reside unicamente na possibilidade de assunção do projeto. No caso do step-in rigths, os financiadores assumem de modo permanente ou temporário o controle da concessionária – como medida para resguardar seus investimentos. Já na cláusula de retomada, entretanto, a seguradora procede a conclusão da obra para evitar o pagamento da quantia prevista na apólice. Para encerrar esse raciocínio, pode-se dizer, por certo ângulo, que o step-in rights não representa o mesmo fenômeno jurídico da cláusula de retomada, pois eles se operam em contextos diversos e previstos em leis também distintas.” MOLIN NETO, Walmor Francisco. O Seguro-garantia com cláusula de retomada à luz da Lei nº 14.133/2021. Dissertação de Mestrado – Fundação Getúlio Vargas Escola de Direito de São Paulo, São Paulo, 2022, p.55.
[23] Importante enfatizar que a cláusula de retomada no seguro-garantia performance, prevista no art. 21 da Circular Susep nº 662/2022, não é uma novidade no âmbito infralegal. Embora sem utilização prática, especialmente conforme os baixos percentuais do art. 56, §§2º e 3º da Lei nº 8.666/1993 (até 10% do valor do contrato para obras, serviços ou fornecimentos de grande vulto; e, até 5% para os demais casos), a cláusula de retomada já era prevista nas normas da Superintendência de Seguros Privados que tratavam do seguro-garantia, isto é: a Circular Susep nº 232/2003 (cláusula 7.1, item I, das Condições Gerais); revogada, posteriormente, pela Circular Susep nº 477/2013 (cláusula 8.1 das Condições Gerais). Segundo Rafael Leonardo Borg: “Não que a opção pela retomada de obras inexistisse nos clausulados de seguro-garantia brasileiros anteriores à nova lei. Os clausulados padronizados da Susep nas revogadas Circulares nº 232/2003 e nº 477/2013 já traziam de forma expressa tal alternativa de indenização, porém na prática as seguradoras sempre optaram pela indenização em dinheiro. Dentre os fatores que explicam a absoluta predominância das indenizações em espécie, destacam-se os baixos percentuais previstos na lei brasileira para o valor das garantias de contratos públicos — 5% ou 10%, enquanto na lei federal norte americana se prevê garantias de 100% do valor dos contratos. Soma-se a isso a falta de interesse das seguradoras em se arriscar nas retomadas de obras, haja vista o perigo de se sujeitar à transferência automática de diversos riscos (trabalhistas, ambientais etc.) na ausência de legislação específica que regule a intervenção da seguradora.” BORG, Rafael Leonardo. Cláusula de step in no seguro-garantia: perspectivas regulatórias. CONJUR. Site Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-jan-11/clausula-de-step-in-no-seguro-garantia-perspectivas-regulatorias/>. Acesso em: 30 out. 2025.
[24] De acordo com Cristiana Fortini e Rafael Amorim de Amorim: “Contudo, até mesmo contrariando os objetivos subjacentes às inovações propostas, o parágrafo único do artigo 101 do texto ora analisado abre brecha para as seguradoras não assumirem a execução do contrato no inadimplemento, facultando a elas, nessa hipótese, o simples pagamento da importância segurada pela apólice. Provavelmente, interessará às seguradoras apenas indenizar, desonerando-se do encargo que seria assumir a obra. Contudo, se o foco é a conclusão da obra, a indenização não resolve. Não se identificou nenhuma justificativa para que o PL as tenha liberado do dever de executar. Logo, ainda que a experiência norte-americana tenha sido tão ventilada, há um verdadeiro distanciamento dela.” FORTINI, Cristiana; AMORIM, Rafael Amorim de. O seguro-garantia no âmbito do Projeto de Lei nº 1.292/1995. CONJUR. Site Consultor Jurídico. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-nov-12/interesse-publico-seguro-garantia-ambito-pl-12921995/>. Acesso em: Acesso em: 21 out. 2025. Para Jonas Lima: “De outro lado, a facultatividade da cláusula de retomada, como se tem no artigo 99 da Lei nº 14.133/2021, com o temo ‘poderá’, torna a regra precária. A discricionariedade contraria os princípios da eficiência, do artigo 37, e da economicidade, do artigo 70, ambos da Constituição, além dos princípios da indisponibilidade do interesse público e da segurança jurídica, do art. 5º da Lei nº 14.133/21, pois está havendo permissão para que os entes estatais tratem obras similares com diferentes cautelas, em síntese, com margem a deixar parte delas sem proteção mais eficaz contra paralisações e com insegurança, inclusive, para responsabilizações, sore uma apuração a respeito de ter ou não havido a análise e a decisão prévia por se adotar a cláusula de retomada e as consequências práticas da decisão, ação ou omissão. LIMA, Jonas. Mudanças Necessárias na cláusula de retomada do seguro garantia. CONJUR. Site Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2025-mai-05/mudancas-necessarias-na-clausula-de-retomada-do-seguro-garantia/>. Acesso em: 28 out. 2025.
[25] Tais limites devem ser observados não apenas à luz das premissas previstas na Circular Susep nº 662/2022 (art. 21, I), mas também nos termos do princípio indenitário previsto no art. 944 do Código Civil. A indenização se mede pela concreta extensão do dano; e não, em abstrato, pelo valor da importância segurada da apólice. Esta interpretação deve orientar a leitura do art. 102, parágrafo único, II, da Lei nº 14.133/2021, quando dispõe que a Seguradora não assumindo a execução contratual, em virtude do inadimplemento do Tomador, “pagará a integralidade da importância segurada indicada na apólice”.
[26] O incentivo ao auxílio da seguradora na fiscalização do contrato administrativo é inerente ao seguro-garantia, na modalidade de performance bond, conforme destacado em outra oportunidade: “A estipulação de seguro-garantia, com a obrigação da seguradora de assumir a execução e concluir o objeto do contrato (step in rights), demonstra a preocupação com o efetivo cumprimento do contrato e a finalização das obras públicas. A seguradora, em caso de inadimplemento da empreiteira (tomadora do seguro), promoverá, diretamente ou mediante a contratação de terceiros, a conclusão da obra. Em consequência, a seguradora é estimulada a contribuir com a fiscalização do contrato administrativo.” OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática, 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 159.
[27] Aliás, o art. 102 da Lei de Licitações prevê uma série de incentivos para que a seguradora contribua para a correta execução do contrato administrativo, auxiliando na fiscalização do Poder Público. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos: teoria e prática, 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 159.
[28] Acerca dos riscos assumidos pela Seguradora no contrato, o art. 103, §2º da Lei nº 14.133/2021 prevê: “Art. 103. O contrato poderá identificar os riscos contratuais previstos e presumíveis e prever matriz de alocação de riscos, alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados. § 2º Os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras serão preferencialmente transferidos ao contratado.”
[29] A esse respeito, Egon Bockman Moreira e Eduarda Espanhol Borba destacam que: “E por que a retomada é, muitas vezes, a opção mais atraente ao poder público e, especialmente, à sociedade destinatária do objeto contratual? Primeiro, porque ela garante que os recursos da seguradora serão destinados, integralmente, à finalização da obra/serviço — não sendo dirigidos a possíveis outros fins, como pagamento de multas contratuais. E segundo, porque conter a cláusula de retomada significa que a seguradora não assume apenas o dever de pagar; ela se torna a responsável por concluir o objeto do contrato, de forma eficiente e nos termos dispostos em edital. Assim, a cláusula de retomada se torna uma importante ferramenta, especialmente diante dos riscos contratuais assumidos pelo contratado, previstos na respectiva matriz de alocação”. MOREIRA, Egon Bockman; BORBA, Eduarda Espanhol. Cláusula de retomada nas obras públicas: expectativas a partir do primeiro contrato no Paraná. CONJUR. Site Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2025-jun-05/a-clausula-de-retomada-nas-obras-publicas-expectativas-a-partir-do-primeiro-contrato-no-parana/>. Acesso em: 29 out. 2025.
[30] A subscrição é assim conceituada pelo dicionário de Seguros da Escola Nacional de Seguros: “Processo de análise de risco cuja cobertura é proposta para a seguradora, resultando na aceitação ou rejeição da transferência desse risco. Classificação dos riscos selecionados para cobrança do prêmio adequado. Em termos mais simples, é o processo de emissão de uma apólice”. ENS. Escola Nacional de Seguros - ENS. Dicionário de Seguros. Disponível em: <https://www.ens.edu.br/dicionario-de-seguros>. Acesso em: 28 out. 2025.
[31] Lei nº 15.040/2024: “ Art. 1º. Pelo contrato de seguro, a seguradora obriga-se, mediante o pagamento do prêmio equivalente, a garantir interesse legítimo do segurado ou do beneficiário contra riscos predeterminados.”
[32] De acordo com Flávia Piva Almeida Leite e Cintia Barudi Lopes: “Impulsionada por esse cenário, a nova Lei de Licitação estipula a cláusula de retomada com o claro objetivo de forçar o cumprimento dos contratos públicos, seja por quem for, inclusive pelas próprias seguradoras que os asseguram. O papel das seguradoras, até então passivo diante dos sinistros, altera-se radicalmente, uma vez que o setor se vê obrigado a acompanhar de perto a execução dos contratos administrativos. (...). O setor securitário deverá se adaptar à nova realizada contratual e será, com certeza, muito mais rigoroso na assunção dos riscos. Precisará também se aparelhar com pessoal que conheça melhor as regras de contratações de engenharia e que seja habilitado a acompanhar e a planejar o projeto de forma muita mais consultiva.” LEITE, Flávia Piva Almeida; LOPES, Cintia Barudi. A Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/21 e o Seguro-Garantia com Cláusula de Retomada: Vantajosidade para adimplência dos Contratos Administrativos? Revista de Direito Brasileira. Florianópolis, SC, v. 29, n. 11, mai./ago., 2021, p. 68.
[33] Lei Complementar nº 126/2007: “art. 2º (...). III - resseguro: operação de transferência de riscos de uma cedente para um ressegurador (...)”. Segundo Ilan Goldberg: “Por fim, mas, não menos importante, a capacidade e o apetite do mercado ressegurador são também muito importantes à sustentação do seguro garantia, notadamente às grandes obras de infraestrutura. Despiciendo afirmar que para riscos vultosos, muito dificilmente haverá seguradoras capazes e/ou interessadas em absorvê-los isoladamente, o que desagua na necessidade dos conhecidos mecanismos de pulverização de riscos, e.g., cosseguro e resseguro. A capacidade do mercado ressegurador é peça chave ao oferecimento de coberturas pelo mercado segurador, que, como se nota, devem caminhar juntos. (...). Ainda nessa mesma direção, pensa-se que o papel desempenhado pelos resseguradores também deverá ser diferente, não mais apenas oferecendo capacidade (capital), mas, também, por conta de sua rica expertise, emprestando conhecimento técnico à seguradora, colaborando uma análise mais assertiva do risco originário.” GOLDBERG, Ilan. Reflexões a respeito do seguro garantia e da nova Lei de Licitações. Revista IBERC, Belo Horizonte, v. 5, n. 2, 2022. Disponível: <https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/220>. Acesso em: 30 out. 2025.
[34] Destaca-se, por exemplo, que, nos contratos de concessão de serviço público, o art. 27 da Lei nº 8.987/1995 exige a anuência do Poder Concedente para transferência de concessão ou do controle societário da concessionária. O referido dispositivo legal foi declarado constitucional pelo STF (ADI 2946/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ 18.05.2022).
[35] Lei nº 14.133/2021: “Art. 90 (...) § 4º Na hipótese de nenhum dos licitantes aceitar a contratação nos termos do § 2º deste artigo, a Administração, observados o valor estimado e sua eventual atualização nos termos do edital, poderá: I - convocar os licitantes remanescentes para negociação, na ordem de classificação, com vistas à obtenção de preço melhor, mesmo que acima do preço do adjudicatário; II - adjudicar e celebrar o contrato nas condições ofertadas pelos licitantes remanescentes, atendida a ordem classificatória, quando frustrada a negociação de melhor condição. (...) § 7º Será facultada à Administração a convocação dos demais licitantes classificados para a contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento em consequência de rescisão contratual, observados os mesmos critérios estabelecidos nos §§ 2º e 4º deste artigo.”
[36] De forma semelhante, Ronny Charles afirma: “(...) deve-se evitar excessiva restrição em relação ao terceiro escolhido pela seguradora, como, por exemplo, exigências de requisitos de habilitação que não estejam diretamente relacionados à capacidade técnica e econômica para a continuidade da execução do empreendimento”. TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas, 12 ed. São Paulo: Ed. Juspodivim, 2021, p. 560.
[37] Lei nº 14.133/2021: “Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente: III - pessoa física ou jurídica que se encontre, ao tempo da licitação, impossibilitada de participar da licitação em decorrência de sanção que lhe foi imposta.”
[38] Lei nº 14.133/2021: “Art. 122 (...). §3º Será vedada a subcontratação de pessoa física ou jurídica, se aquela ou os dirigentes desta mantiverem vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou se deles forem cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.”
[39] Segundo Walter Melhem Fares Junior: “Afinal, exigir do novo contratado pela seguradora todos os requisitos estabelecidos no edital para a contratação do contratado original, seria ônus semelhante ao de estabelecer a obrigação de uma nova licitação, o que não é coerente com a celeridade e premência de conclusão da obra inacabada.” FARES JUNIOR, Walter Melhem. Seguro garantia com “cláusula de retomada” e os efeitos positivos da iniciativa inédita entre o Estado de MT e o mercado segurador. Site Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/414686/seguro-com-clausula-de-retomada-e-efeitos-entre-o-mt-e-mercado>. Acesso em: 30 out. 2025.
[40] De acordo com Rafael Leonardo Borg: “Entendemos que um bom ponto de partida seria a norma regulatória esclarecer que o limite máximo de garantia da apólice com cláusula de step in (que pode alcançar até 30% do valor do contrato, como visto) deve ser respeitado, inclusive nos casos em que se optar pela retomada. Vincular as seguradoras ao dever de retomar e concluir a obra sem qualquer limitação de valor é desnaturar a lógica econômica que ampara a operação de seguro, inviabilizando a precificação adequada pela assunção do risco. Nenhuma seguradora optará por exercer o step in se isso a sujeitar a um risco que pode ir (muito) além daquele que foi assumido; notadamente, a retomada das obras também se sujeita a uma série de fatores imprevisíveis que poderão afetar o valor inicialmente previsto para a sua conclusão (aumento do preço de insumos, atrasos causados por eventos climáticos, default de subcontratados, mudanças de projeto etc.)”. BORG, Rafael Leonardo. Cláusula de step in no seguro-garantia: perspectivas regulatórias. CONJUR. Site Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-jan-11/clausula-de-step-in-no-seguro-garantia-perspectivas-regulatorias/>. Acesso em: 30 out. 2025.
[41] Circular Susep nº 662/2022: “Art. 23. É vedada a utilização de mais de um Seguro Garantia para cobrir a mesma obrigação do objeto principal, salvo no caso de apólices complementares.”
[42] A esse respeito do assunto, Walter Melhem Fares Junior enfatiza: “Em suma, nos casos em que se opte pela retomada e conclusão do empreendimento, uma vez atingido o limite máximo de garantia da apólice, caberá ao segurado realizar aportes complementares para a continuidade da obra, não recaindo sobre a seguradora a responsabilidade sobre a sua conclusão. Mantém-se a lógica econômica que ampara a operação de seguro, evitando-se, assim, que a seguradora fique à mercê de uma infinidade de fatores imprevisíveis que poderão afetar o valor inicialmente previsto para a conclusão do empreendimento e que fazem parte do cotidiano daqueles que lidam com obras em geral”. FARES JUNIOR, Walter Melhem. Seguro garantia com “cláusula de retomada” e os efeitos positivos da iniciativa inédita entre o Estado de MT e o mercado segurador. Site Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/414686/seguro-com-clausula-de-retomada-e-efeitos-entre-o-mt-e-mercado>. Acesso em: 30 out. 2025.
[43] A respeito dos itens indenizáveis pela seguradora, Luís Felipe Pellon destaca: “A nós parece que os custos de manutenção da obra enquanto parada, aguardando a nomeação de um novo Tomador, fazem parte dos itens indenizáveis. As dívidas trabalhistas não, a não ser que cláusula especial neste sentido tenha sido contratada. Como visto acima, o sobre-preço do custo de finalização da obra é o cerne da cobertura. Entretanto, como tudo, também está sujeito ao limite de valor contratado para o seguro. Os custos de financiamento da obra não estão cobertos, porque não são de obrigação do Tomador e não fazem parte do contrato segurado, que é o de obra ou serviços.” PELLON, Luís Felipe. A Nova Lei de Licitações e a Cláusula de Retomada. Editora Roncarati. Disponível em: <https://aida.org.br/wp-content/uploads/2025/09/A-nova-Lei-de-Licitacoes-e-a-Clausula-de-Retomada-de-Obras_compressed-1.pdf>. Acesso em: 31 out. 2025.
[44] Lei nº 15.040/2024: “Art. 67. As despesas com as medidas de contenção ou de salvamento para evitar o sinistro iminente ou atenuar seus efeitos, mesmo que realizadas por terceiros, correm por conta da seguradora, até o limite pactuado pelas partes, sem reduzir a garantia do seguro.”
[45] Código Civil: “Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.”
(10.12.2025)